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quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Serge André - O Significado da Pedofilia

Conferência em Lausanne, 8 de Junho de 1999


Serge André, psicanalista belga, membro da Escola da Causa Freudiana e da Escola Belga de Psicanálise, nascido em 9 de julho de 1948, falecido em 2004. Suas obras O Que Quer uma Mulher e A Impostura Perversa foram traduzidas para o inglês, espanhol, português e chinês.

 

O que me autoriza a falar de pedofilia? Só posso me autorizar perante vocês com base na minha prática — a da psicanálise — e no conhecimento clínico e teórico que acredito poder deduzir dela com alguma certeza. A psicanálise é uma prática marginal no campo social, embora seu objeto possa ser definido como a própria essência do laço social. A psicanálise não é uma forma de medicina (mais especificamente, não é uma forma de psiquiatria) nem um desdobramento da psicologia (não pode ser classificada entre as psicoterapias). Não é uma ciência nem uma arte, embora tenha a determinada ambição de estabelecer o conhecimento sobre a faceta mais secreta do ser humano. Embora a prática diária forneça uma boa dose de inspiração, a psicanálise é a única experiência que permite o acesso não ao psiquismo, mas ao inconsciente, isto é, ao desejo mais fundamental que rege a subjetividade de um ser.

Por razões que desconheço — e sobre as quais sempre me questiono — essa prática me levou a receber regularmente solicitações de indivíduos que, na linguagem comum, descreveriam como "pedófilos". Por que eles vieram até mim? Por que me escolheram? Por que, de minha parte, os recebi sem a menor reserva, sem medo ou repugnância, sem sequer uma curiosidade obscena, e muitas vezes por tantos anos? Não sei. Tudo o que sei é que o que eles disseram, as perguntas que me fizeram e as dificuldades que enfrentaram me interessaram. Nesse caminho, no final da década de 1980, quando comecei a tentar relatar essa experiência em meus seminários na Fundação Universitária ou em meus cursos na Seção Clínica de Bruxelas, percebi, com surpresa, que nesse ponto eu me destacava dos meus colegas.

De fato, meus colegas psicanalistas não recebiam pedófilos em análise, e não creio que esteja exagerando a opinião deles ao dizer que, para eles, receber um pedófilo em análise é quase inconcebível. Eles alegam — e isso também é o que geralmente dizem sobre sujeitos perversos — que pedófilos não se aproximam do psicanalista. Sustentam, então, que, se isso acontecesse, só poderia ser uma "falsa demanda", uma tentativa de manipular o psicanalista para obter dele uma espécie de consentimento ou endosso, ainda que tácito, de sua particularidade sexual. Em suma, com um tipo de raciocínio que lembra furiosamente o famoso silogismo do caldeirão evocado por Freud em Traumdeutung, os psicanalistas geralmente consideram contraindicado abrir o acesso à experiência analítica para pedófilos. De minha parte, creio que há uma negação aí, uma espécie de surdez ou pânico irracional, uma manifestação do que Lacan chamou de "paixão da ignorância".

Obviamente, essa situação é tão lamentável para os pacientes em questão quanto para a própria psicanálise. Lembro-me, por exemplo, de uma análise que, segundo a expressão usada no jargão psicanalítico, retomei "secundariamente" (eu era o segundo analista desse paciente). Tratava-se de um homem cujo caso era particularmente doloroso, pois, sendo ainda muito jovem, ele podia legitimamente esperar se desenvolver uma vida nova, ou pelo menos suportável, baseada nos resultados da psicanálise. Ele já havia passado dez anos no divã de um colega sem que nenhum dos sintomas que o levaram a solicitar a análise tivesse se alterado, sem que a menor luz tivesse sido capaz de iluminar a estrutura de seu desejo inconsciente ou trazer à tona os elementos de sua construção fantasiosa. A acreditarmos nele, seu primeiro analista permaneceu em silêncio por dez anos. O impasse completo em que sua primeira análise havia estagnado foi evidenciado pelo fato de que três sonhos repetitivos que o analisando havia trazido ao seu analista durante as primeiras sessões foram reproduzidos, verbatim idênticos, até o final dessa primeira tentativa. Após algumas sessões, comecei a ouvir claramente, através das palavras desse homem, como palavras ou fragmentos de frases impressas em itálico em um texto, os elementos de uma cena — no sentido de uma cena de teatro — em que um jovem rapaz, com coxas musculosas espremidas em cuecas curtas e apertadas demais, que deixavam a marca fetichista de uma linha vermelha em sua pele, era violentamente despido por um adulto todo-poderoso que o silenciava com uma voz autoritária. A partir do momento em que fiz esses elementos serem ouvidos pelo meu analisando, as coisas se desbloqueavam rapidamente. Os dois principais sintomas que alimentavam sua aparente queixa (impotência sexual completa com mulheres e a incapacidade de suportar um relacionamento em que houvesse qualquer fonte de autoridade masculina) podiam, se não ser desvendados, pelo menos explicados. Não entrarei na continuação desta análise nem em sua conclusão, que certamente mereceria uma exposição exaustiva. Dez anos após o término deste trabalho, tive a oportunidade de discutir o quadro clínico da pedofilia com aquele colega, o primeiro analista deste paciente. Quando perguntei por que ele nunca havia enfatizado a importância do fantasma pedófilo de seu ex-paciente, ele respondeu, surpreso: "Eu nunca tinha pensado nisso!" E, além disso, ele rapidamente acrescentou, se eu tivesse percebido na época, certamente não teria chamado a atenção do paciente para esse ponto, mas sem dúvida teria interrompido a análise, já que, disse ele, "há certas coisas que é melhor deixar em segredo..."

Há certas coisas que é melhor não saber... Só posso expressar minha total discordância com essa opinião. Pelo contrário, estou convencido de que, em todos os casos, é melhor saber. Não estou dizendo que seja bom saber tudo. Longe disso! Há conhecimento que é prejudicial. Há até — e isso acontece — conhecimento do qual dificilmente se recupera (penso, por exemplo, no caso de uma jovem que veio à análise porque estava literalmente devastada pelo fantasma de ter sido estuprada pelo pai e que foi levada a descobrir, durante a análise, que sua mãe tivera relações incestuosas com o próprio pai — o avô materno da minha paciente — entre os oito e os vinte e três anos, ou seja, até dois anos após o nascimento da filha). Isso não é um motivo; penso, antes, que vale a pena saber. É o princípio do psicanalista, assim como é o princípio de Édipo, não do complexo de Édipo, mas da tragédia de Sófocles. 


2. Algumas reflexões sobre o contexto, com base em eventos atuais (belgas, entre outros) O caso judicial e midiático que cativou todos os belgas por vários meses — e que agora perdeu em grande parte o interesse — fez da palavra "pedófilo" o abre-te-sésamo de uma comunicação que ninguém poderia imaginar: a comunicação entre as comunidades do nosso Estado Federal (e mesmo com os seus imigrantes), entre classes sociais, partidos políticos e gerações. No entanto, a repetição diária das palavras "pedófilo" e "pedofilia" causou grande confusão. Todos acreditam de boa-fé que sabem o que essas palavras significam e, de repente, sentem-se isentos de questionar as diferenças, por mais vastas que sejam, que distinguem as personalidades e ações que essas palavras encobrem. É evidente, no entanto, que não há identidade, nem equivalência, nem mesmo analogia, entre os fatos pelos quais Marc Dutroux é acusado, aqueles dos quais tal educador ou tal professor é suspeito, ou as insinuações lançadas contra um ministro ou outro cuja homossexualidade assumida nunca havia preocupado ou interessado ninguém até então. Se quisermos abordar este caso seriamente, como em todas as circunstâncias, nossa primeira tarefa deve ser rejeitar amálgamas fáceis e generalizações precipitadas, que talvez aumentem as vendas de jornais e a audiência das redes de televisão, mas cujo efeito primário é manter nossa ignorância. A informação nem sempre favorece o conhecimento... Acredito firmemente, como pré-requisito para qualquer reflexão fundamentada sobre o estado atual da pedofilia, que Marc Dutroux foi erroneamente rotulado de pedófilo. Não devemos confundir o contexto de crime sexual com o de atração sexual. Os atos dos quais Dutroux é acusado nada têm a ver com o significado de pedofilia, isto é, com o amor eletivo por crianças — entendendo o amor em seu sentido mais amplo, do contexto platônico ao ato sexual mais grosseiro, e uma criança como um jovem que ainda não atingiu a puberdade. Marc Dutroux é certamente um criminoso, aparentemente um psicopata e talvez um sádico perverso, mas certamente não é um pedófilo.

A título de comparação — e com as reservas que essas palavras implicam — o caso de Marc Dutroux está muito mais próximo do de Gilles de Rais do que de pedófilos famosos e declarados como Lewis Carroll, André Guide, Henry de Montherlant, Roger Peyrefitte ou Roland Barthes, entre outros. A comparação com o julgamento de Gilles de Rais parece necessária, visto que este último não se contentou em manter relações sexuais com as crianças que raptou, mas também as matou sistematicamente após torturá-las, seguindo assim o exemplo de alguns ilustres imperadores romanos como Tibério e Caracala. No entanto, a comparação tem seus limites. Ao contrário de Gilles de Rais, Dutroux, e nisso ele é um sujeito exemplar da nossa sociedade ocidental contemporânea, tinha uma motivação comercial. Ele comercializava crianças. A criança era sua matéria-prima, sua fonte de mais-valia. Uma mercadoria que não custa muito, note-se: cento e cinquenta mil francos belgas (aproximadamente seiscentos mil pesetas), que é o preço pago na Tailândia por uma jovem virgem — a jovem virgem tailandesa é hoje o objeto padrão da comercialização global da sexualidade. O que se deve notar no caso Dutroux é que a criança, a carne da criança, só adquirirá verdadeiramente seu valor (valor comercial e valor sexual) através do uso que lhe for dado. As crianças sequestradas por Dutroux não eram simplesmente destinadas aos prazeres de algum cliente rico. Parece que eram destinadas à produção de fitas cassete pornográficas sádicas, "snuff movies", isto é, filmes que mostram crianças sendo estupradas e torturadas até a morte. De acordo com informações que vieram a público, cada uma dessas fitas "snuff movie" vale até seis vezes o preço pago pela criança. Essa supervalorização da imagem da atrocidade merece uma reflexão profunda — que poderia se estender ao questionamento do destino do erotismo contemporâneo. O caso Dutroux nos lembra, portanto, o que Freud deixou claro, a saber, que a pulsão sádica é um dos componentes fundamentais que caracterizam os seres humanos. Os animais podem ser cruéis, mas não são sádicos. "O crime é um fato da espécie humana", disse Georges Bataille. É uma frase que Freud poderia ter escrito. Uma das expressões mais frequentes dessa pulsão sádica é o abuso, a tortura e o assassinato de crianças. Devemos nos resignar a admitir, apesar da repulsa que esse conhecimento provoca, que nossa "humanidade" também é reconhecida no fato de incluir certos seres cujo prazer consiste em cortar crianças em pedaços. O escândalo e a comoção popular produzidos pela revelação do caso Dutroux — bem como, além disso, a significativa capacidade das massas que marcharam nas "marchas brancas" há apenas dois anos de agora ignorarem todas as informações sobre o caso — são, na realidade, diretamente proporcionais à repressão a que todos submetemos nosso próprio sadismo. Será que nos esquecemos daquelas histórias famosas que marcaram nossa infância e que transmitimos com prazer aos nossos próprios filhos? Será que nos esquecemos de que o personagem que simboliza as festas infantis na cultura cristã, São Nicolau, está ligado a uma história de crianças enviadas ao matadouro? Será que nos esquecemos de que em 1919 — há portanto oitenta anos, Freud estabeleceu que o fantasma de "uma criança sendo espancada" é um dos fantasmas mais difundidos, tanto em neuróticos quanto em pervertidos. Não sabemos que todo pai, todo educador, todo professor experimenta, em algum momento, e às vezes de forma penetrante, o desejo feroz de punir cruelmente as crianças sob seus cuidados, e que às vezes acontece, mesmo aos melhores dentre eles, que nem sempre conseguem se reprimir? Quanto aos nossos "filhos amados", não os vimos, aos dois ou três anos de idade, despedaçando suas bonecas, demonstrando intensa alegria? Sim, devemos admitir, sim, esquecemos tudo isso. Ou melhor, reprimimos: não queremos saber de nada. E é por isso que, com a perspectiva que temos hoje, podemos afirmar com certeza que as "marchas brancas" que ocorreram na Bélgica e o vasto movimento de indignação popular que abalou até os países vizinhos não foram de forma alguma a manifestação de uma "conscientização", como já foi dito, mas, ao contrário, os sinais ruidosos e raivosos de uma rejeição do conhecimento mais forte do que o desejo de saber, de um protesto radical contra a ameaça de manifestação de uma faceta da libido que todos tivemos que censurar vigorosamente em nós mesmos. O julgamento de Papon levou cinquenta anos para acontecer (se pudermos considerar que o que ocorreu foi o julgamento que tínhamos o direito de esperar). Fiquem tranquilos, levará pelo menos esse tempo para que o caso Dutroux seja verdadeiramente esclarecido.

3. Por que tanto horror?

Vale também questionar a aversão unânime que se declarou repentinamente à pedofilia e aos pedófilos (não estou falando de sadismo ou dos crimes de Dutroux, mas do assédio à pedofilia que se desencadeou após o caso Dutroux). Por que tanta surpresa e indignação? É como se a existência de uma forma de sexualidade que sempre foi ignorada tivesse sido repentinamente descoberta. Tudo parece acontecer como se não soubéssemos, ou melhor, como se não quiséssemos saber. No entanto, não faz muito tempo, a pedofilia e até o incesto desfrutavam de uma recepção relativamente neutra e, às vezes, até benevolente entre as pessoas. Para se convencer, basta consultar a imprensa das décadas de 1970 e 1980. Permitam-me lembrar a divertida, até mesmo admirada, indulgência com que críticos literários e apresentadores de televisão acolheram as declarações de Gabriel Matzneff e René Schérer, que escreveram, na edição de 9 de junho de 1978 do Libération: "A aventura pedófila revela o confisco insuportável do ser e do significado praticado por obrigações sociais e poderes conspirados em relação às crianças" (citado por Guillebaud em O Tirano do Prazer, p. 23). O caso de Tony Duvert, um escritor pedófilo declarado e militante, é ainda mais interessante. Em 1973, seu romance Fantasy Play, que retrata os jogos sexuais de um adulto com várias crianças, foi elogiado pela crítica como uma expressão de subversão saudável. Além disso, este livro recebeu o Prêmio Médicis. No ano seguinte, publicou "Le bon sexe illustré", um verdadeiro manifesto pedófilo que reivindica o direito das crianças de desfrutarem da liberação sexual que a pedofilia poderia lhes proporcionar, contrariando as obrigações e privações impostas pelas estruturas familiares. No início de cada capítulo do livro, é reproduzida a fotografia de um menino de cerca de dez anos com uma ereção. Em 1978, um novo romance do mesmo autor, intitulado "Quant mourut Jonathan", traça o caso de amor entre um artista de meia-idade e um menino de oito anos. Este livro foi celebrado no Le Monde em 14 de abril de 1976: "Tony Duvert caminha para o mais puro". Em 1979, "L'île Atlantique" rendeu-lhe novos elogios ditirâmbicos de Madeleine Chapsal. O que aconteceu então entre 1980 e 1995 para causar uma mudança tão drástica na opinião pública? Gostaria que alguém me esclarecesse esse mistério. O fenômeno é especialmente significativo dado que nossas sociedades ocidentais contemporâneas parecem ter sido cimentadas desde então pelo ideal sacrossanto, mas puramente imaginário, da criança-rei e pela correspondente obsessão com a proteção da criança. Longe de mim discutir a necessidade de tal proteção e o progresso que ela representa. Mas a melhor proteção da criança não seria, antes, o desejo e o apoio que os adultos ao seu redor demonstram para vê-la crescer? Há alguns meses, fiquei surpreso — e estou particularmente feliz em compartilhar essa surpresa com vocês aqui no Hospital Nestlé, que escolheu receber minhas palavras esta tarde — ao ver um anúncio da Nestlé na tela da minha televisão, no qual o texto proclamava orgulhosamente: "Na Nestlé, a criança é presidente". Não estamos à beira de uma espécie de delírio coletivo? Quem não vê a hipocrisia desse culto à criança inocente, virgem de corpo e alma, a criança maravilhosa e pura, cujo universo é considerado povoado apenas por sonhos e brincadeiras? Quem não observa, na linguagem e no imaginário atuais da publicidade e da mídia, que o bem mais precioso do mundo é uma criança bonita? Quem não se choca ao perceber que o exemplo da Cidade Ideal que nos é proposto tem duas versões: Disneylândia e Las Vegas? De um lado, o mundo da criança imaginada como um adulto em miniatura; do outro, o mundo do adulto imaginado como uma eterna criança. Entramos, sem nos darmos conta, numa verdadeira idolatria da criança, numa "infantolatria", na infantilização generalizada do mundo. As crianças se vestem como adultos, enquanto os adultos se empanturram de doces e brinquedos como crianças — ambos disputando o controle do computador da família. O ideal hoje é permanecer criança, não mais se tornar adulto. E, cada vez mais, é uma certa representação imaginária da criança que rege a lei. É a criança mítica cuja estátua é elevada à categoria de ídolo, a ponto de os adultos caírem de seus pedestais, renunciarem ao seu papel e se tornarem cada vez mais infantilizados. Curiosamente, mas logicamente, quanto mais se expande essa celebração da criança imaginária, mais se torna evidente, na realidade econômica e social, que a criança representa um custo. Além disso, quanto mais venerada, mais se torna um bem escasso, mais tende a ser única. Se em todas as fases da civilização que nos precederam, e nas culturas que cercam nosso território ocidental, as crianças eram consideradas o primeiro tesouro, para nós hoje elas são um fardo, e todos acham normal que o Estado arque com os custos. Em suma, a criança que bajulamos e queremos proteger de tudo, a criança que mantemos em um estado artificial de infância, é cada vez mais irreal. Elas são o nosso sonho narcisista e, em última análise, só as queremos para o nosso próprio prazer. Para nós, as crianças deixaram de ser tesouros, tornaram-se um luxo — o que é completamente diferente.

4. O significado da pedofilia

Para falar seriamente sobre pedofilia, antes de levantar as questões certamente preocupantes de seu tratamento e prevenção, seria útil tentar entender o que essa palavra significa. Para isso, devemos distinguir cuidadosamente dois níveis de discurso. Por um lado, podemos abordar a pedofilia de um ponto de vista externo, objetivo e descritivo. É isso que os especialistas em direito fazem, pois devem estabelecer os fatos e, em seguida, classificá-los; isto é, traduzi-los para a linguagem do direito penal. Por exemplo, qualquer relação sexual entre um adulto e uma criança menor de uma determinada idade estabelecida por lei será chamada de "estupro". É isso também que fazem psicólogos e sexólogos, especialmente aqueles que hoje se afirmam especialistas no tratamento de pedófilos. Os psicólogos descrevem comportamentos com base no modelo teórico, experimentado em animais de laboratório, do reflexo automático induzido pelo estímulo. Por exemplo, uma determinada imagem representando uma criança pequena desencadeia uma ereção no paciente. O tratamento consistirá então em associar essa imagem a uma sensação de desprazer. Essa imagem será então sistematicamente mostrada ao paciente, enviando um doloroso choque elétrico ao seu pênis. Nessas duas abordagens, a baseada em fatos e a baseada no comportamento, uma dimensão essencial — a mais essencial — é evacuada: a do sujeito que realiza o ato descrito como "pedofílico", a dimensão subjetiva (e não objetiva) desse ato. É essa dimensão subjetiva que deve ser apreendida examinando a questão da pedofilia de um ponto de vista interno, da perspectiva do funcionamento de uma economia singular e inconsciente.

 

De fato, a questão não é apenas saber qual ato foi cometido, mas saber quem o cometeu. Atos ou comportamentos pedófilos podem ocorrer nos mais variados contextos e no âmbito de todas as estruturas clínicas que a psicanálise nos permite distinguir: neuroses, psicoses e perversões. No entanto, a estrutura psíquica na qual um sujeito encontra sua posição de ser implica uma relação diferente, em cada caso, com o desejo, a fantasia, o gozo, a lei, a culpa e o outro em geral. Pode acontecer que um neurótico obsessivo cometa compulsivamente um ato com uma criança quando a criança se tornou para ele a cristalização de uma obsessão. Nesse caso, mesmo quando a descrição do ato coincide exatamente com a do mesmo ato cometido por um pervertido ou um esquizofrênico, seu significado será fundamentalmente diferente e, consequentemente, sua sanção e tratamento judicial também deverão ser diferentes. Em vez de rotular automaticamente o sujeito obsessivo em questão como "pedófilo", deve-se dar ao trabalho de analisar o alcance subjetivo de seu ato. Se necessário, poder-se-ia estabelecer, por exemplo, que seu ato não é motivado por uma atração sexual eletiva por crianças, mas sim pela compulsão ao sacrilégio típica dessa neurose. Sabe-se – refiro-me aqui a duas grandes obras de Freud, Totem e Tabu e O Homem dos Ratos – que a economia psíquica do obsessivo se organiza em torno da relação com o tabu, com o intocável, com o sagrado e com a confissão de transgressões. De fato, se quisermos adotar um uso rigoroso das palavras e evitar as amálgamas que levam à confusão e ao obscurantismo, deveríamos reservar o termo "pedofilia" para os casos de perversão pedofílica. Para explicar esse ponto, tentarei abordar sistematicamente o que minha experiência em psicanálise me permitiu discernir sobre a estrutura perversa em geral e, em seguida, sobre as características dessa perversão específica, que é a pedofilia em sentido estrito.

5. A estrutura da perversão.

Diferentemente da neurose e da psicose, a perversão é uma das três estruturas psíquicas inconscientes nas quais o ser humano pode se estabelecer como sujeito do discurso e como agente de seu ato. Nesse sentido, a perversão é perfeitamente "normal", mesmo que perturbe o mundo, ou a todos. A existência de perversões levanta, com óbvia provocação, uma questão que atinge a própria essência da sociedade humana. De fato, apenas os neuróticos formam uma sociedade: o sintoma neurótico não é apenas um sofrimento singular, mas também a matriz do vínculo que une as pessoas em torno de regras comuns. É por isso que, em Moisés e o Monoteísmo, Freud não hesita em tratar a religião (e especialmente o cristianismo) como o sintoma por excelência. Os pervertidos abordam o laço social por outra via: microssociedades de mestres, amizades, redes fundadas em uma espécie de pacto ou contrato que ainda não foram verdadeiramente estudadas, mas nas quais se pode enfatizar que o que aparece na base do vínculo é a fantasia e não o sintoma, e que a demanda de singularidade sempre prevalece sobre a de comunidade e se opõe a qualquer ideia de universalidade. A clínica psicanalítica permite, parece-me, diferenciar quatro eixos principais da organização da perversão, para todas as suas variantes.

1.   

1.  1. A Lógica da Negação

Na perversão, o mecanismo fundador do inconsciente é diferente daquele da neurose. Na primeira, a negação (Verneinung) determina e mantém a repressão (Verdrängung). Quando um neurótico declara, por exemplo, "minha esposa não é minha mãe", ele realmente quer dizer que sua esposa é sua mãe. Mas ele só pode reconhecê-lo, ou confessá-lo, afetando essa afirmação com uma negação (não...). Para o pervertido, o mecanismo é mais complexo e sutil. O que Freud chamou de Verleugnung — que optamos por traduzir com Lacan como "negação", a tradução mais literal — consiste em formular simultaneamente duas afirmações contraditórias: a) sim, a mãe é castrada; b) não, a mãe não é castrada. O neurótico tem grande dificuldade em compreender o processo. Para o neurótico, a lógica inconsciente baseia-se no princípio da identidade, que é a base da lógica clássica: A = A. Para o pervertido, a negação significa que A = A e também, ao mesmo tempo, A é diferente de A. Essa coexistência — que só é contraditória para o neurótico — faz do pervertido um argumentador formidável (pelo menos quando inteligente) e um retórico particularmente hábil em manipular o valor de verdade do discurso para estar sempre certo. Basicamente, a negação se refere à castração da mãe. Isso não deve ser entendido apenas como o fato de a mãe não ter um pênis, ou, mais precisamente, de não ter um falo. A castração da mãe significa que ela não possui o objeto de seu desejo, que isso só pode ser inscrito como uma falta, e que essa falta é estrutural. Em outras palavras, na negação que o pervertido opõe à castração, há um lado que reconhece a falta estrutural do objeto de desejo, mas também, e ao mesmo tempo, outro lado que afirma a existência positiva desse objeto. Ora, se o objeto de desejo existe concretamente, se pode ser apreendido e designado por meio do significado, segue-se que o sujeito só pode desejar possuí-lo e consumi-lo absolutamente — e repetir esse movimento indefinidamente.


2. O Édipo Perverso

O Édipo perverso se distingue pelo lugar especialmente particular atribuído ao pai em cada nível em que é chamado a cumprir sua função. Como entidade simbólica, repositório da lei, da proibição e da autoridade, o pai é perfeitamente reconhecível — o pervertido não é psicótico. Da mesma forma, os atributos do pai imaginário, herói ou covarde, pai ogro ou pai cego, são localizáveis ​​e identificados pelo sujeito. É no nível do pai real que a perversão atrai a atenção. Na situação edipiana que caracteriza a perversão, o homem que é chamado na realidade a assumir o papel de pai é sistematicamente posto de lado — no exílio, diria Montherlant — pelo discurso maternal que cerca o sujeito. Transformado assim em um personagem ridículo, pura ficção, o pai é reduzido a uma mera espécie de comediante a quem se pede que atue como pai, mas sem que esse papel tenha a menor consequência: ele é um pai "para o palco". O resultado para o filho é que, embora a lei, a autoridade e a proibição estejam presentes e teoricamente reconhecidas, elas são reduzidas a meras convenções de fachada. De modo geral, o mundo ao qual o pervertido é introduzido por sua configuração familiar é uma comédia, uma farsa na qual o lado grotesco se manifesta com frequência. Essa introdução assume para ele o valor de uma iniciação. Pois se a comédia humana é para o neurótico uma verdade da qual ele só pode participar entre outros sem saber (situação à qual tem dificuldade de aceitar), para o pervertido essa comédia se revela desde o início, desmascarada em sua factualidade, onde ele assume seu lugar com plena consciência. Presente ao mesmo tempo no palco e nos bastidores, o pervertido não se engana quanto ao jogo que está sendo jogado. Ele certamente adquire conhecimento, mas é um conhecimento que poderia ser descrito como tóxico. Ele extrai sua força tanto quanto seu infortúnio. Ele conhece, ou acredita conhecer, o reverso do cenário e as regras secretas que contradizem as convenções da comédia. Outra consequência: o universo subjetivo do pervertido se encontra dividido em dois lugares e dois discursos cuja contradição não impede sua coexistência. De um lado, a cena pública, do outro, a cena privada. A cena pública, o lugar da aparição explícita, o mundo em que leis, costumes e convenções sociais são respeitados e celebrados com zelo caricato ("seria preciso ser louco para não confiar nas aparências", disse Oscar Wilde). A cena privada, por outro lado, o lugar da verdade oculta, do segredo compartilhado com a mãe, desmente o precedente. Entre mãe e filho, depois entre o pervertido e sua parceira, realiza-se o ritual (sempre teatral) que demonstra que o sujeito tem suas razões para se eximir das leis comuns porque reivindica um conhecimento privilegiado no qual baseia sua singularidade.

3.    

 3  3. O Uso da Fantasia

No nível do conteúdo, podemos dizer que toda fantasia é essencialmente perversa. O cenário imaginário em que o neurótico combina seu desejo e seu gozo nada mais é, afinal, do que a maneira como ele secretamente se imagina perverso. Portanto, não é o conteúdo da fantasia que nos permite diferenciar o pervertido do neurótico, mas, como mostrarei, seu uso. Um tesouro secreto, estritamente privado do neurótico (tanto que anos de análise são necessários antes que ele sequer comece a falar sobre ele), para o pervertido, a fantasia é, ao contrário, uma construção que só adquire significado quando se torna pública. Para o neurótico, a fantasia é uma atividade solitária: é a parte de sua vida que é removida do vínculo social. Por outro lado, o pervertido usa a fantasia (sem sequer perceber que se trata de uma montagem imaginária) para criar um vínculo social no qual sua singularidade pode ser concretizada. Para o pervertido, a fantasia só tem sentido e função se for encenada ou expressa de tal forma que consiga incluir o outro, com ou sem o seu consentimento, em seu contexto. É isso que aparece, visto de fora, como uma tentativa de sedução, manipulação ou corrupção do parceiro. Por exemplo, o sádico exigirá que a própria vítima lhe peça, acusando-se de uma ou outra falta, o castigo que irá infligir – um castigo que então parecerá "merecido". Por que essa necessidade de obter a cumplicidade forçada do outro? Porque, na perversão, a fantasia tem uma função demonstrativa. O perverso só pode, de fato, assegurar-se de sua subjetividade sob a condição de se fazer aparecer como sujeito positivo no outro (manobra da qual ele é apenas o agente). Mas com qual sujeito ele está lidando neste caso? Um sujeito para o qual é essencial, vital, afirmar que há continuidade entre desejo e gozo. Pois, para o perverso, um desejo que não termina em gozo não passa de mentira, trapaça ou covardia. Essa mentira e essa covardia são o que ele incansavelmente denuncia como constitutivos da realidade do neurótico e da ordem social: se esta proíbe o gozo (em todo caso, além de certo ponto), é porque o neurótico não ousa verdadeiramente gozar. O gozo constitui o valor supremo do universo perverso, enquanto na neurose, é o desejo. É por isso que o neurótico se sustenta perfeitamente em um desejo insatisfeito (na histeria), em um desejo impossível (na neurose obsessiva) ou em um desejo impedido (na fobia). O neurótico encontra apoio em um desejo cujo objeto está sempre ausente — toda vez que pensa tê-lo alcançado, rapidamente se desilude: não, não era "aquilo". Por isso, na neurose, o gozo é sempre acompanhado de culpa. O que o pervertido quer demonstrar, o que ele se esforça para convencer o outro (à força, se necessário), não é apenas a existência do gozo, mas também sua predominância sobre o desejo. Para ele, o desejo não pode ser outra coisa senão o desejo de gozar, e não o desejo de desejar ou o desejo de desejar, como para o neurótico.

 

4.    4. A Relação com a Lei e com o Gozo

A necessidade de tal demonstração torna-se tão premente que podemos nos perguntar se a perversão compreende a dialética do desejo ou se simplesmente a elide. De qualquer forma, sua compreensão requer uma teoria do desejo e do gozo distinta daquela a que nos referimos no âmbito da clínica das neuroses. Para adentrar nessa teoria, é preciso perscrutar a relação subjetiva que o pervertido mantém com a Lei. A opinião comum tende a confundir perversão e transgressão. No entanto, seria completamente simplista e errôneo equiparar o pervertido a um fora da lei, mesmo que o questionamento cínico, o desafio e a provocação às autoridades que representam a lei sejam características constantes da vida dos pervertidos. Se o pervertido desafia a lei, e ainda mais frequentemente a julga, não é porque se considera um anarquista. Pelo contrário. Quando ele critica ou viola a lei positiva e os bons costumes, é em nome de outra lei, uma lei suprema e muito mais tirânica que a da sociedade. Pois essa outra lei não admite faculdade de transgressão, nem compromisso, nem fraqueza, nem fraqueza humana, nem perdão. Essa lei superior inscrita no cerne da estrutura perversa não é, em essência, uma lei humana. É uma lei natural cuja existência o pervertido é capaz de sustentar e argumentar, às vezes com notável força persuasiva e virtuosidade dialética. Seu texto não escrito promulga apenas um único preceito: a obrigação de desfrutar. Em suma, quando o pervertido "transgride", como diz a linguagem comum, ele está na realidade apenas obedecendo. Ele não é um revolucionário, mas um servidor exemplar, um funcionário zeloso. Segundo sua lógica, não é ele quem deseja, nem mesmo o outro: é a Lei (do gozo). Mais do que isso, essa lei não deseja, ela exige. Empurre o sujeito perverso para o seu último refúgio, e se ele for sincero e estiver disposto a confiar, você ouvirá seu discurso transformado em uma verdadeira lição moral. Não há nada mais sensível ao perverso do que o conceito de "virtude". Sade, Genet, Jouhandeau, Montherlant, Mishima — e outros — nos provam isso, cada um à sua maneira: a perversão leva a uma apologia paradoxal da virtude. Uma virtude estranha, sem dúvida. Aqui, novamente, a oposição entre o mundo do neurótico e o do pervertido é diametral. Enquanto para o primeiro, a lei é, por definição, uma proibição dirigida ao gozo, e a virtude é o respeito pelos tabus que dela decorrem, para o pervertido, a lei rege o gozo, e de certa forma absoluta (o que é proibido, em certo sentido, é não desfrutar). Assim, a virtude consiste, neste caso, em corresponder às exigências desse imperativo absoluto — mesmo ao mal supremo. A redenção do mal ou a santidade na abjeção são temas recorrentes em discursos perversos.

 

5.    5. A Perversão Pedófila

Como psicanalista, não considero injustas as leis que sancionam a pedofilia. Tampouco as entendo como expressão de uma justiça absoluta e universal. Essas leis são apenas uma das construções possíveis, graças às quais nossa sociedade tenta se manter como um sintoma entre outras. Sabe-se que em outras sociedades, tão civilizadas quanto a nossa, por exemplo, nas sociedades helenísticas pré-clássicas, a pedofilia era organizada em nível social como um ritual de iniciação para os jovens. 

Na sociedade ateniense clássica, a pedofilia não era apenas tolerada, mas também considerada o modelo ideal de um relacionamento amoroso e pedagógico (cf. "Primeiro Alcibíades" e "Baptismo" de Platão). Na sociedade romana, a regra era que o mestre tomasse como amantes jovens pré-púberes, desde que não fossem cidadãos romanos. Na Idade Média, os mosteiros eram locais privilegiados para relacionamentos pedófilos entre monges e jovens noviços. Em muitas das culturas que nos cercam hoje, o uso sexual de crianças, ou sua prostituição organizada, é considerado normal e despreocupado. Esse tipo de caça à pedofilia, que recentemente se tornou a palavra de ordem em nossos países, deve, portanto, ser considerado um fenômeno curioso, e não um sinal de progresso civilizacional. Como psicanalista, penso que, antes de nos engajarmos na luta contra a pedofilia, seria aconselhável esclarecer desde o início por que e contra o que os pedófilos lutam. Devemos ouvir isso antes de condená-los. A pedofilia é definida como o amor por crianças — sejamos precisos: uma certa forma de amor que tem como alvo um certo tipo de criança. Portanto, repito, não devemos confundir o pedófilo perverso com o sádico perverso. O direito positivo atual exige, por razões de técnica processual e linguística criminal, que as relações sexuais entre um adulto e uma criança menor de uma certa idade sejam automaticamente classificadas como "estupro". No entanto, isso não significa que devamos realmente considerar os pedófilos estupradores sistemáticos. Em princípio (claro, há exceções), o estupro não interessa aos pedófilos. Pelo contrário, seu argumento se baseia na tese de que a criança consente com as relações que o pedófilo mantém com ela e, mais ainda, que a própria criança as solicita. O que o pedófilo diz — dificilmente o caricaturo, tenho ouvido isso regularmente em minha prática — é quase que a criança o estuprou. Este é um ponto muito importante; essas palavras devem ser levadas muito a sério (o que não significa que devam ser acreditadas). De fato, para o pedófilo perverso, é crucial demonstrar que a criança está imersa em uma espécie de sexualidade natural feliz, em oposição à sexualidade restrita, reprimida e deformada dos adultos, e que a expressão espontânea dessa sexualidade natural é o desejo de gozar. Essa ideia do erotismo espontâneo da criança se opõe a qualquer tendência ao estupro. Para o estuprador, ao contrário, e é por isso que seu comportamento está relacionado ao sadismo, a falta de consentimento do outro é uma condição necessária. O estuprador busca, com efeito, provar que o outro pode ser forçado a se divertir, que o prazer não requer desejo ou consentimento subjetivo, pois é uma Lei absolutamente imposta. Além disso, outro ponto-chave do argumento que o pedófilo tenta nos convencer é que a violência contra crianças se situa essencialmente na estrutura familiar, porque é fundamentalmente repressiva em relação à sexualidade. O pedófilo perverso sustenta que os pais — e, antes de tudo, os pais — abusam de seus filhos e os violam, roubando-lhes a sexualidade, impedindo-os de fazer amor e forçando-os a não serem mais do que voyeurs do erotismo parental (cf. Le bon sexe illustré, de Tony Duvert). Outra ideia comumente defendida também deve ser denunciada: a pedofilia, ao contrário do que se diz, não é de forma alguma a mesma coisa que o incesto. É claro que há casos de pedófilos perversos que também seduzem seus próprios filhos, mas esses casos são bastante excepcionais. O pai incestuoso, aquele que mantém relações sexuais com a filha ou o filho, não é, em regra, alguém que se sente excitado pela criança como tal. O que lhe interessa, o que lhe cria problemas, o que o enlouquece, é o seu próprio filho, a sua prole. De fato, o pai incestuoso é um sujeito que não suporta a paternidade (essa aversão, mostrarei mais adiante, é radicalmente oposta à posição defendida pelo pedófilo). Não só não a suporta, como experimenta a necessidade irresistível de zombar dela, de anulá-la de alguma forma, revelando a sua indignidade. Repito, é raro que um pedófilo abuse dos seus próprios filhos. Pelo contrário, os pedófilos que têm filhos são geralmente pais exemplares ou esforçam-se por sê-lo. De fato, ao contrário dos pais incestuosos — que destroem a paternidade —, os pedófilos têm uma ideia muito elevada da paternidade. Não é exagero dizer que a perversão pedófila encerra uma teoria complexa e sutil da paternidade, e mais precisamente da restauração da função paterna. Esta tese pode parecer chocante e paradoxal, mas a convicção de ser o arauto de uma verdadeira reforma moral (cf. "Les Garçons", de Montherlant) é o que empurra o pedófilo para o conflito com a família, a sociedade e as instituições. Para ele, os pais legais, limitados em seu papel de censores, são essencialmente incapazes de amar. O "verdadeiro" amor paterno deve, portanto, vir de um lugar diferente daqueles que estão ligados à criança pelo sangue. Como declara o abade herói da peça de Montherlant, "A Cidade na Qual o Príncipe é uma Criança", "Deus criou os homens mais sensíveis do que os pais em relação aos filhos que não são seus e que não são amados". Mas o que é o verdadeiro amor paterno, como o pedófilo o concebe? É um amor apaixonado e sensual que se situa em profunda rivalidade com o amor materno — como se a mãe estivesse roubando do pai a parte erótica do amor que ele sente pela criança. Restaurar a paixão de ser pai e torná-la o modelo da paixão amorosa — é isso que está radicalmente em jogo na pedofilia. É a razão pela qual o pedófilo é intimamente persuadido a fazer o bem às crianças com quem mantém relações românticas ou sexuais. É também por isso que ele está convencido de que é um educador melhor — melhor porque mais verdadeiro — do que o pai legal. Ele replica as leis e os costumes familiares que castram os pais antes de castrar os filhos, pois somente o pai cujo amor não se esquiva da paixão pode estar à altura de seu papel. Uma paixão que não rejeita nem reprime o que ela implica em termos de sensualidade e erotismo. Uma paixão que exige reciprocidade porque acredita saber que a própria criança exige essa sensualidade paterna. Em suma, o pedófilo perverso nos desafia a conceber a função paterna como algo fundado na idealização da pulsão e não na idealização do desejo. Nessa paixão, a iniciação ao gozo é de suma importância. De fato, como em toda perversão, o gozo é identificado aqui com a Lei. Trata-se, então, de introduzir a criança à verdade da Lei e fazê-la descobrir a mentira fundadora da família e da normalidade social. Tony Duvert, que já citei, denuncia essa mentira como a aliança de uma maternidade incestuosa e uma paternidade pederástica cujo sexo é fingido ausente (cf. Tony Duvert, Le bon sexe illustré, pp. 66-67). Finalmente, algumas palavras sobre a criança que é tomada como objeto escolhido da perversão pedófila. A ideia de que a criança desempenha o papel de fetiche para o pedófilo já foi evocada algumas vezes. É uma ideia que me parece interessante, embora não pareça precisa. Deve-se notar — é um critério decisivo para distinguir o pedófilo do pederasta homossexual — que o pedófilo escolhe a criança pré-púbere. Esta é uma noção muito difícil de manejar, especialmente para o legislador ou o juiz, que são forçados a se basear em critérios "objetivos", como a ideia absurda de uma idade em que se estabeleceria o que se chama de "maioridade sexual". A pré-puberdade não se refere a uma idade nem a uma definição biológica ou médica da puberdade. É uma noção vaga; vaga visto que seu objeto é pouco claro. 

De fato, o alvo da perversão pedófila é a criança cujo corpo ou espírito ainda não escolheu verdadeiramente seu sexo. É o anjo ou o querubim, como preferir. É a criança aparentemente assexuada ou indefinidamente sexuada, o ser que de alguma forma encarna a negação oposta ao reconhecimento da diferença sexual, e em quem o pedófilo discerne, por isso mesmo, o gozo de uma sexualidade plena, mais ampla do que a dos adultos. Essa imprecisão da sexualidade da criança não serve apenas à função de sustentar a defesa contra a homossexualidade, mas também inerente à pedofilia, assim como a outras formas de perversão. Pedófilos e homossexuais horrorizam-se mutuamente, este é um fato clínico bem conhecido. Mas, além dessa função defensiva, a exigência de que a criança seja escolhida antes do início da puberdade significa que o pedófilo busca na criança a personificação da negação da castração e da diferença sexual. A criança escolhida pelo pedófilo é o terceiro sexo. Ou, mais precisamente, é o sexo que une, confundindo-os, os polos opostos da diferença sexual. É por isso que a atração experimentada pelo pedófilo pode se cristalizar tanto em um traço de feminilidade requintada que aparece em um menino quanto na travessura de uma menina. 

De qualquer forma, a psicanálise do pedófilo permite esclarecer que o que o pedófilo busca encontrar e trazer à tona na figura infantil escolhida por sua paixão é ele mesmo. Não se trata apenas de uma busca narcisista, nem de um processo de identificação imaginária. Essa busca frenética não se situa apenas no nível do ego e de suas imagens especulares. É o sujeito como tal que é chamado a se revelar. O sujeito, isto é, aquilo que é apenas um vazio na cadeia significante do discurso. O pedófilo preenche esse vazio provocando o aparecimento de uma criança que representa a encarnação de um sujeito natural e não de um filho da linguagem, de um sujeito que seria virgem da marca significante, de um sujeito anterior à castração simbólica. Este é o seu desvio fundamental. É aqui que fica claro até que ponto ele próprio se tornou uma eterna  criança imaginária, apegado a ser o que quer que pudesse preencher a falta do desejo de sua mãe para que sua bênção nunca apareça. Para concluir estas reflexões, citarei duas citações de Philippe Forest de um artigo publicado na edição 59 da revista L'Infini dedicada à "Questão Pedófila". Ph. Forest escreveu "... a infância não existe, é o sonho do pedófilo. O pedófilo — imagino-o assim — é precisamente aquele que acredita na infância (...). Ele a vê como o paraíso do qual foi injustamente expulso, o lugar para o qual deve retornar e no qual deve entrar a qualquer custo." De fato, minha prática psicanalítica com sujeitos pedófilos me permite confirmar que, para eles, a infância não é um momento, uma fase transitória da vida, um tempo essencialmente destinado a terminar, mas sim uma espécie de estado de ser que deve ser restaurado em uma temporalidade indefinida. Na lógica pedófila, a criança constitui a negação oposta da divisão do sujeito: o "sujeito-criança" encarna o mito de uma totalidade natural na qual desejo e gozo não estão separados. Portanto, todo pedófilo é constantemente confrontado com o drama de ver a criança amada se transformar e abandonar esse estado do qual ele próprio se torna o guardião. É também por isso que, apesar de sua atratividade e de seu talento pedagógico, muitas vezes excepcional, penso, juntamente com François Regnault, que o pedófilo pode ser definido como "o oposto do pedagogo" (cf. L'Infini, n. 59, p. 125). Pois o verdadeiro pedagogo — ainda existem hoje? — é aquele que baseia sua prática na premissa de que o desejo mais fundamental da criança é o desejo de crescer. Como escreve Hegel em seus Princípios da Filosofia do Direito (§ 175): "A necessidade de educação existe nas crianças tanto quanto o sentimento, que lhes é característico, de não se satisfazerem com o que são. É a tendência a pertencer ao mundo dos adultos que o percebem como superior, o desejo de crescer. A pedagogia do jogo trata o elemento infantil como algo que teria valor em si mesmo, apresenta-o às crianças como tal, menospreza para elas o que é sério e se deprecia de uma forma infantil pouco valorizada pelas crianças. Ao representá-las como acabadas no estado de incompletude em que se sentem, e ao se esforçar assim para agradá-las, perturba e altera sua verdadeira necessidade espontânea, que é muito melhor" (citado por F. Regnault em op. cit.). Instruídos por estas últimas frases, devemos questionar o significado, evocado acima, da evolução contemporânea de nossa sociedade. Esse movimento, que eu chamei de "infantolatria" da época, não corre o risco de nos levar a uma forma de pedofilia generalizada e triunfante? Essa hipótese poderia, de qualquer forma, explicar as manifestações de horror e pânico que os pedófilos despertam em nossa sociedade atual. Esse horror não seria, em última análise, o horror da revelação do significado de nossa própria idealização da infância?