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domingo, 5 de março de 2023

Carlos, o goleiro trágico da Caldense

 

Carlos foi o ídolo da Caldense de Poços de Caldas, lá pela segunda metade dos anos 50. Era um goleiro clássico, que se vestia de negro, andava quase parado no gol, e tinha senso de colocação e um carisma que, tenho a impressão, nenhum goleiro da cidade conseguiu igualar. Nem mesmo o histórico Miné, goleiro tão carismático que só depois que viu que não tinha chances com ele, dona Maria Rodrigues Alves decidiu se casar com um filho de presidente da República.

Algumas décadas antes, lá pelos anos 30 a cidade não tinha cirurgião, o que era motivo de imensa inveja da vizinha São João da Boa Vista, que tinha um cirurgião que, freqüentemente, precisava ser emprestado a Poços. Até que dona Nini Mourão casou-se com o Dr. Clodoveu Davis, grande figura, mas impropriamente apresentada à cidade como cirurgião.

Um dia Miné teve um problema na perna, não sei se nos meniscos ou algum outro tipo de contusão, e decidiram que precisava ser operado. Era a estréia do Dr. Davis. A cidade inteira rumou para a Santa Casa, que ficava na Rua 15 de Novembro.

Um locutor da Rádio Cultura ficou no alto da escada, de onde se via a sala de operações, e passou a narrar o jogo.

-Entra Miné, de maca. Agora entra o Dr. Davis, coloca as luvas, pede o bisturi para a enfermeira, dá o primeiro corte...

Gol contra! Nervoso com a torcida, Dr. Davis seccionou um músculo do Miné, que nunca mais pode jogar bola. Anos depois, um sobrinho do Dr. Davis me confessou que o tio ficava tonto quando via sangue. Depois de Miné, apareceu Carlos, goleiro na histórica campanha dos 57 jogos invictos da Veterana, tempo em que meu pai foi diretor de futebol. Era também o batedor oficial de faltas perigosas e de pênalti do clube.

Na época, eu era muito menino para entender algumas coisas que se falava sobre Carlos. Soube muitos anos depois por meu pai e por alguns velhos diretores da Caldense. O goleiro era pedófilo. Nem sei se o termo era esse. Pedófilo, entendo eu, é o sujeito que se prevalece da idade para forçar ou induzir crianças a satisfazer suas taras. Imagino um sujeito doente, frio, calculista.

Carlos se apaixonou perdidamente por um menino de 12 anos, cujo nome me eximirei de citar, mas filho de uma pessoa influente na cidade. Foi paixão mesmo, com direito a crises violentas de ciúmes. Muitas vezes, deixaram-se flagrar no campo da Caldense. Em uma das crises bravas, tiveram um quebra-pau em frente à farmácia do meu pai, em pleno centro da cidade, com Carlos desvairado cobrindo o menino de porradas. Meu pai teve que apartar, arrastar Carlos para dentro da farmácia e, depois, impedir que o pai enlouquecido do menino atirasse no goleiro.

Os escândalos acabaram abafados em uma cidade pequena, em um período em que a pedofilia era um tabu tão arraigado que ocultavam-se até problemas sérios que ocorriam no internato do Colégio Marista. Tempos depois, apresentado por Mauro ou Belline - provavelmente Mauro - Carlos veio tentar carreira no São Paulo. Sua carreira não passou do período de experiência, porque se envolveu com outro menino, filho de um diretor do clube. Aí acabou-se.

Ao contrário de muitas cidades pequenas, do interior, Poços de Caldas sabia ser generosa, não destruir reputações, entender tragédias, separar a vítima do agressor. Graças a isso, o menino de Carlos superou os traumas, cresceu, casou-se, mudou da cidade. Conheci-o no final da adolescência, perfeitamente integrado à vida da cidade. Tão integrado, e poupado, que só muitos anos depois soube desses episódios, em uma conversa com meu pai.

Quanto a Carlos, nunca mais se ouviu falar dele. Talvez o Décio Alves de Morais ou o Hugo Pontes, grandes historiadores da Caldense, tenham alguma informação.

Mas, depois que soube dos episódios, sempre fiquei com uma pulga atrás da orelha, querendo entender os sentimentos tão ambíguos que se passavam na cabeça daquele goleiro. Às vezes me fica a impressão de que, mais que tara, Carlos foi vítima de um tipo diferente de paixão.


3 de julho de 2007


Luís Nassif

La Insignia. Brasil, julho de 2007.


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Falcon e os caçadores de garotos

Nos anos 70, bairro da Bela Vista em São Paulo, nós morávamos na Rua Abolição, nº 343, num prédio de apartamentos de classe média, logo no primeiro andar com vista pra rua.

Lá também, no 9º andar, morava aquele que veio a ser naqueles dias de infância e início de adolescência meu melhor amigo, o Cláudio R. C. Assim como eu e meu irmão éramos belos, Cláudio também era um garoto muito bonito, com os cabelos castanhos cacheados como um anjo, e pele branca com as maçãs do rosto cheias de sardas. Era fofinho, mas não gordo, e um pouco mais baixo do que eu.

Lembro-me um dia, que estávamos “batendo perna” eu, com uns 12-13 anos, o Cláudio e meu irmão Yves, ambos mais novos que eu, quando entramos numa padaria, na Rua Maria Paula, pouco adiante da Câmara Municipal de São Paulo e do Viaduto Jacareí, atravessando a Rua Santo Amaro, já um pouco longe de casa.


Não sei por que havíamos ido até aquela padaria, já que a Palma de Ouro, na Rua Japurá, era bem mais perto, mas talvez só tivéssemos entrado por estar passando ocasionalmente naquele lugar. Entramos pra comprar alguma coisa na padaria, talvez algum doce pra nós.

Assim de repente, Cláudio veio me alertar, que um homem que havia entrado na padaria, tinha passado a mão sobre seu pintinho, ou seja, tinha bolinado ele disfarçadamente, e em pé ao lado da porta aberta do carro gesticulava como eu pude conferir, chamando-nos pra dentro do veículo. O carro estava ligado, com outro homem na direção, e aqueles homens estavam “caçando garotos” pra suas aventuras sexuais. Eu nunca havia me deparado com uma situação como aquela, e óbvio, prevendo o perigo, com nada daquilo me excitando nem um pouco, ficamos seguros na padaria até que eles se fossem, o que não demorou muito, já que eles deviam ter medo que nós os denunciássemos.

Isso é apenas uma especulação, somente o Cláudio poderia confirmar, mas pode ser que o meu amigo pudesse já conhecer aqueles homens, e quisesse nos induzir a participar de algo que pra ele poderia ser usual: sair com aqueles adultos. Isso porque, mesmo o Cláudio sendo mais novo que eu, talvez uns 2 anos, ele já tinha algumas ou muitas experiências sexuais. E me lembro vagamente, embora possa ser uma distorção de memória, que o Cláudio além de nos avisar sobre a intenção sexual dos homens, também disse que eles tinham oferecido doces ou dinheiro, porém o homem que desceu do carro não teve tempo nem privacidade pra isso, já que estávamos nós três juntos, e eu não presenciei nada. Ou seja, tudo muito estranho! 

Era comum nós moleques ouvirmos em turma que o Cláudio “comia” o Beto, menino que morava no final da rua, no mesmo prédio do Paulinho. Também ele costumava ter encontros sexuais com uma menina (Cláudia?) que morava na Rua Santo Amaro. Enfim, embora mais novo, ele tinha suas experiências sexuais.


Eu me lembro nos primeiros dias logo quando conheci o Cláudio, e que levei meu boneco “Falcon, Comandos em Ação” pra brincar no apto. dele. Estávamos no tanque de lavar roupa, na área de serviço, brincando com o Falcon embaixo da água corrente, talvez lavando o boneco, e num momento o Cláudio passou o dedo algumas vezes na bundinha do Falcon, enquanto olhava pra mim dando uma risadinha insinuante, como se estivesse sugerindo algo entre nós. Eu não gostei daquela brincadeira, porque me parecia que ele estava desrespeitando o meu boneco. Sendo sexualmente ingênuo, eu não entendi nada daquela provocação.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Promiscuidade – Os Pivetes de Kátia, de Fauzi Mansur (Brasil, 1984)


Por Andrea Ormond

Imagine o leitor que estamos de volta a 1984. Podemos estar no Rio ou em São Paulo. Ok, estamos no Rio. Em uma tarde clara de sol, no dia 19 de julho de 1984, caminhando pela Cinelândia, olhamos pro alto e vemos escrito, em letras gigantes, na fachada do velho Odeon: Promiscuidade – Os Pivetes de Kátia. Já passa das 15 horas e, como bom carioca, o leitor não tem nada para fazer. Entra no cinema. Instala-se, entre o nervoso e o incrédulo, nas últimas fileiras. Um vizinho, um amigo de infância, poderia surpreendê-lo, melhor não arriscar.



Começa o filme, e que filme! Apreciamos as formas de uma loura apetitosa, chamada Kátia (Kristina Keller). O marido Mauro (Ênio Gonçalves) ficou impotente graças a um acidente esdrúxulo, em uma estação de trem da Fepasa. Também começou a beber, o desgraçado. Kátia é filha de um empresário (Sérgio Hingst) e tem um punhado de irmãos. Todos sexualmente ativos e devassos. A família começa a planejar o assassinato do enteado brocha e bêbado. Até aqui, a coisa transcorre em absoluta normalidade para um filme da Boca do Lixo, naquela encruzilhada entre o drama e o pornô. Mas acontece que Kátia tem uma tara. Ela gosta de transar com crianças.

Em 1984 não existia o Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado seis anos depois, em 1990. Ainda assim, é misterioso como Fauzi Mansur não está até hoje na cadeia pelo que colocou na tela. Kátia “atende” seus petits em um barco. Forma filas de garotos para “iniciá-los”, enquanto o marido bebe (sempre a mesma garrafa de whisky, com a mesma quantidade) na mansão ali perto. Kátia abraça um moleque, diz para fazerem algo “melhor do que pescar”. Descem para a cabine, ao término ela pede que traga outros amigos. Muitos aparecem. Vira a rainha da criançada.

O leitor que entrou no cinema em 1984 a essa hora já deve estar se contorcendo na poltrona por tanta insanidade. E torcendo para que a máquina do tempo o traga de volta a 2016. Eis que, são e salvo no século XXI, liga a TV e procura algo mais saudável para assistir. Que tal o Now, serviço on demand de filmes da Net? Vasculhando a seção de filmes nacionais, pode escolher entre Meu Passado Me Condena e O Som ao Redor. Mas basta ir procurando, procurando, que o leitor encontrará a assombração. Sim, ele mesmo: Promiscuidade – Os Pivetes de Kátia. É uma versão editada, sem parte das cenas “polêmicas”, disponível pelo ínfimo valor de 3,49 reais.

1984 não morreu, o ECA não existe. Fauzi dirigiu trinta e oito filmes e, só naquele 1984, ainda lançou mais sete. Sua fase áurea, de grandes produções, vai até 1977. Em meados dos anos 80, já dirigia com pseudônimos: Victor Triunfo, Izuaf Rusnam, De Bako. O espantoso é que, justamente em Os Pivetes de Kátia, tenha escolhido assinar com o próprio nome. E montado elenco com Ênio Gonçalves e Sergio Hingst para um filme que poderia trazer sérias complicações, se não artísticas, ao menos policiais. Como passou pela Censura é algo que só um livro de sociologia conseguiria nos explicar.

Em miríade de coisas espantosas, outra igualmente chama atenção: o filme é bom. A longa sequência final, quando o marido corno decide se vingar da esposa e da família que queria assassiná-lo, dando choques dentro do vagão do trem, é thriller de tirar o fôlego. Seria considerada brilhante se fizesse parte das missões de Grand Theft Auto V, exemplo de ultra-modernidade. O problema é que, para chegarmos a este ápice, temos que passar por barrocas sequências de Kátia, que tem algo de danação bíblica. Fisionomia carregada, corpo hirto, gestos de maldosa lascividade.

Fauzi Mansur não foi o único cineasta da época a abusar dos limites de forma tão contundente. Viagem ao Céu Da Boca (1981), de Roberto Mauro, concebido para ser o primeiro filme pornográfico brasileiro, passou meses preso na Censura e terminou ultrapassado pelo fraquinho Coisas Eróticas. Uma pena: a pornografia no Brasil bem poderia ter sido inaugurada com uma explosão de violência mostrada sem escrúpulos. O falocentrismo, a homofobia e a tortura em Viagem Ao Céu da Boca tornaram-se de uma ousadia e selvageria anacrônicas.

Se houvesse discussões sérias no Brasil, caberia uma aqui: até que ponto uma revisão crítica absolve esses filmes? Até onde certos assuntos devem ser abordados pela arte? E onde termina a arte e começa o delito? Mas ninguém se interessa hoje em pensar, apenas repetem-se chavões como forma de aceitação social.

Lançado em São Paulo no Cine Ouro, no Largo do Paissandu, no dia 30 de abril de 1984, Promiscuidade – Os Pivetes de Kátia continua a existir disponível para o curioso, sem que ele precise se aventurar nas intempéries de uma máquina do tempo. Basta ligar a smart TV led de casa e cair duro de surpresa. Proponho, na humildade, que o Now assuma seu câncer e traga não só a Boca do Lixo oitentista. Também uma incursão liberal aos acervos do Beco da Fome. Sai coisas que até o diabo estremece e chama pela mãe.

Revista Cinética

Urinoterapia?

 


terça-feira, 31 de janeiro de 2023

"Pedofilia" levou Porto Editora a censurar versos de Fernando Pessoa



A Porto Editora omitiu do manual de Português do 12.º ano versos da "Ode Triunfal" por possuir "linguagem explícita" e abordar a pedofilia, defendendo que cabe aos professores decidir se estudam os referidos versos.



Três versos do poema "Ode Triunfal", de Álvaro de Campos, o heterônimo de Fernando Pessoa, foram substituídos por um tracejado no manual Encontros do 12.º ano, da Porto Editora, de forma a omitir "versos que têm linguagem explícita e se relacionam com a prática da pedofilia."

Por opção editorial desapareceram as seguintes frases: " Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas"; "E cujas filhas aos oito anos - e eu acho isto belo e amo-o! - / Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada".

Segundo uma declaração assinada pela equipa de autores de Encontros 12 e disponibilizada no site da Porto Editora, o poema "está disponível na íntegra no livro escolar Encontros -- 12.º ano, na versão do professor".

Os autores do manual escolar acrescentam que na versão do professor estão sinalizados os versos omitidos na edição do aluno e assim "os docentes podem decidir se abordam em contexto de sala de aula -- e de que forma -- versos que têm linguagem explícita e se relacionam com a prática da pedofilia".

A Porto Editora assume que retirou os versos, mas sublinha "a indicação de que os versos foram cortados é visível tanto graficamente (linhas a tracejado) como através da numeração das linhas".

Para os autores do manual, deve ser o docente, tendo em conta "as características específicas de cada turma", a decidir se têm condições para abordar os versos em falta.

"Os professores conhecem as suas turmas e conhecem o poema integralmente, pelo que saberão também se têm ou não condições para abordarem os referidos versos com o tempo e o cuidado necessários, uma vez que podem, obviamente, constituir fator de desestabilização ou de desvio da atenção dos alunos", acrescentam em resposta à Lusa.

A Porto Editora recusa que tenha havido qualquer tentativa de censura da obra de Fernando Pessoa, garantindo que se tratou "apenas e tão somente uma preocupação didático-pedagógica -- seguida pela generalidade dos manuais existentes -- que permite aos professores decidirem livremente sobre a abordagem mais adequada junto dos seus alunos".


https://www.tsf.pt/cultura/porto-editora-deixa-aos-docentes-decisao-de-estudar-versos-omitidos-de-pessoa-10437154.html

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segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Brooke Shields leva relatos de estupro e abusos para Sundance




Atriz de ‘Pretty Baby’ e ‘A Lagoa Azul’ conta em documentário como sexo e violência fizeram parte da sua carreira


Por Fernanda Ezabella


Los Angeles 

A atriz Brooke Shields, considerada a cara dos anos 1980, destila todos os traumas que colecionou ao longo da vida ao ter sua infância altamente sexualizada em comerciais e filmes de arte, incluindo um estupro aos 22 anos, em um novo documentário exibido neste final de semana no Festival Sundance.

Em mais de duas horas de filme, a atriz de “A Lagoa Azul”, de 1980, transforma sua vida glamorosa num pesadelo, em que sua beleza agia como uma maldição manipulada pela indústria, homens brancos e sua mãe, Teri Shields, uma mulher controladora e alcoólatra.

“Pretty Baby: Brooke Shields”, dirigido por Lana Wilson —mesma diretora do documentário sobre Taylor Swift, “Miss Americana”—, resgata os comerciais que Shields fez ainda quando bebê, de pasta de dente a amaciante, e chega até os anos 2000, quando Shields se lança como a voz pela luta contra depressão pós-parto.


O filme ressoa o documentário “The Most Beautiful Boy in the World”, exibido em Sundance em 2021, sobre o ator sueco Björn Andrésen, o Tadzio de “Morte em Veneza”, clássico de Luchino Visconti, de 1971. Transformado em objeto sexual aos 15 anos, Andrésen reconta seus percalços com a fama, mas numa vida de muito menos luxo e holofotes que a da americana.










“Pretty Baby” vem do primeiro filme de sucesso de Shields, “Menina Bonita”, de 1978, do diretor francês Louis Malle. Aos 11anos, ela faz uma prostituta na Nova Orleans de 1917. Em frente às câmeras, dá seu primeiro beijo. A cena foi refeita várias vezes porque Malle reclamava da cara de afliação que Shields fazia ao beijar Keith Carradine, que então tinha 29 anos.

Na estreia no Festival de Cannes, Malle foi celebrado pela direção,enquanto a mãe de Shields foi crucificada. Já Shields deixou de ser uma mera modelo mirim para ser alçada a atriz e símbolo sexual.


Seus próximos filmes continuaram no jogo da sexualidade, como“Lagoa Azul”, onde dois pré-adolescentes são abandonados numa ilha deserta.

Já em “Amor sem Fim”, de 1981, do italiano Franco Zeffirelli, Shields reconta uma de suas piores experiências num set de filmagens, numa cena em que sua personagem perde a virgindade —o diretor torcia o pé da atriz para que ela fizesse caras e bocas de êxtase.

“Eu me fechei depois disso”, diz Shields, no documentário. “Eu aprendi a me desassociar do meu corpo.”

Sua mãe morreu em 2012 e aparece no documentário em diversas entrevistas antigas, uma delas concordando que usava a sexualidade da filha pequena, mas não apenas isso.

A filha defende a mãe sempre —“nós usamos o sistema para melhorar de vida”, diz—, até os problemas como álcool passarem dos limites.

Tentando fugir da maldição de ser só um rostinho bonito, Shields deixou a carreira de atriz para ir à faculdade nos anos 1980, e não a qualquer univerdade. Ela entra em Princeton, uma das escolas mais prestigiosas do mundo, para estudar literatura francesa, dizendo que estava enfim tomando rumo da própria vida.

Porém, quatro anos depois, ao sair da faculdade, ela volta sedenta a Hollywood — e Hollywood já não a deseja como antes. Desesperada atrás de trabalho, ela vai a um jantar com um produtor que parece interessado em a escalar para seu próximo filme, mas a noite termina em desastre.

Pela primeira vez, a atriz com hoje 57 anos fala publicamente do estupro. Ela não revela o nome do produtor, mas conta que subiu ao seu quarto de hotel para pedir um táxi, e ele saiu pelado do banheiro e a agarrou. 

“Nós lutamos. Pensei que meu ‘não’ fosse suficiente”, ela diz. “Não lutei muito. Eu absolutamente congelei.”

Entre os entrevistados, estão seu amigo e segurança Gavin de Becker, para quem ela ligou após o estupro, e sua amiga e atriz Laura Linney, que estudou na mesma escola e presenciou os surtos alcoólatras de sua mãe.

Seu primeiro marido, o ex tenista Andre Agassi, é retratado como um controlador e ciumento. Ele não aparece para dar suas versões dos fatos, mas escreveu sobre o casamento em sua autobiografia, “Agassi: Uma Autobiografia”, de2009. Suas críticas ao estilo egoísta de Shields, no entanto, certamente não caberiam na linha do documentário.

Folha de São Paulo, 24 de Janeiro de 2023


Cupido Estagiário