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sexta-feira, 22 de abril de 2011

Isaias Medeiros - Pedofilia: a verdade por trás dos mitos




Introdução

Recentemente, publiquei um texto intitulado “Faz sentido falar em combate à pedofilia em pleno século XXI?”, no qual eu criticava a hipocrisia da sociedade contemporânea em tentar combater através da “caça aos pedófilos” os sintomas de uma problemática bem mais complexa e cuja responsabilidade é inteiramente sua: a erotização infanto-juvenil e suas consequências. Entretanto, ao me deparar com uma enorme quantidade de comentários agressivos, que invocavam velhos jargões reducionistas, percebi o quanto determinadas pessoas necessitam de informações mais realistas e menos “industrializadas” sobre o assunto. 

Pensando nisso, fiz o meu dever de casa e estudei diversos artigos acadêmicos e informais a respeito de crimes sexuais, história da infância, direito, história da sexualidade e pedofilia para poder oferecer aos caros leitores este pequeno guia contendo importantes informações a respeito do que NÃO é a pedofilia, ou seja, mostrando 7 dos grandes mitos que cercam este que é um dos últimos tabus da humanidade e dificultam a sua verdadeira compreensão.
“Se fôssemos avaliar a gravidade de um problema psicológico com a atenção que a mídia popular dá a ele, teríamos de concluir que o mundo moderno está no meio de uma epidemia de abuso sexual infantil”. (J. Feierman)
MITO 1: TODO ABUSADOR DE CRIANÇAS É UM PEDÓFILO.

Utilizar o termo “pedófilo” para se referir genéricamente a estupradores e outras pessoas que cometem violências contra menores é um equívoco, pois estima-se queapenas cerca de 2 a 10% dos que praticam crimes sexuais contra crianças sejam clinicamente pedófilos, isto é, indivíduos que sentem atração sexual primária por crianças pré-púberes ou no início da puberdade. Todos os outros 90 a 98% são agressores sexuais comuns, que procuram crianças por motivos como estresse, dificuldades conjugais ou ausência de um parceiro adulto.

O agressor sexual comum vê a criança apenas como uma fonte de prazer secundária e descartável. Os indivíduos com este perfil na verdade deveriam ser chamados de “pedófobos”, pois parecem odiar as crianças. São eles os que mais praticam violências contra os menores e na maioria das vezes é neles que as pessoas realmente estão pensando quando dizem sentir raiva ou nojo dos “pedófilos”.

MITO 2: CRIANÇAS ABUSADAS TORNAM-SE ADULTOS ABUSADORES.

Ao contrário do que diz o senso-comum, a grande maioria das crianças que sofrem abusos não se tornam molestadores quando adultos, tampouco a maioria dos infratores adultos relatam terem sofrido abuso sexual na infância. De acordo com o “US Government Accountability Office”, “a existência de um ciclo de abuso sexual não foi estabelecida.”

Trabalhos recentes com casos documentados de abuso sexual infantil procuraram determinar a percentagem de crianças que se tornaria infratora e concluiram quea teoria do ciclo de violência não constitui uma explicação satisfatória para o comportamento pedófilo.

MITO 3: POUQUÍSSIMOS ADULTOS SENTEM ATRAÇÃO SEXUAL POR CRIANÇAS.

Estudos afirmam que ao menos um quarto (25%) de todos os adultos do sexo masculino podem apresentar alguma excitação sexual em relação a crianças.Hall, G. C. N. da Universidade Estadual de Kent constatou que de 80 homens adultos observados, 32,5% deles exibiram desde alguma excitação sexual até estímulo pedofílico heterossexual, igual ou maior do que a excitação obtida através de estímulos sexuais adultos. Para Kurt Freund, “homens que não possuem preferências desviantes mostraram reações sexuais positivas em relação a crianças do sexo feminino entre seis e oito anos de idade”.

Em outra pesquisa sobre pedofilia realizada em 1989 por Briere e Runtz com 193 estudantes universitários, 21% afirmaram sentir atração sexual por algumas crianças, 9% disseram ter fantasias sexuais com crianças, 5% confessaram que se masturbavam pensando nestas fantasias e 7% não descartariam a hipótese de se relacionar sexualmente com uma criança, se conseguissem manter isso em segredo e não serem presos. Considerando a dificuldade de se responder sobre um tema tão socialmente estigmatizado, os autores supõem que as taxas atuais sejam ainda maiores.

MITO 4: MULHERES NÃO ABUSAM SEXUALMENTE DE CRIANÇAS

Conforme nos explica a sexóloga, psicoterapeuta e especialista em sexualidade humana pela FMUSP, Dra. Magda Gazzi, “existem pesquisas que nos sugerem que20 a 25% dos casos de ASC [Abuso Sexual em Crianças] são cometidos por mulheres. As crianças abaixo de 5 anos são as que mais correm riscos de serem abusadas por mulheres, segundo a pesquisa. Esses abusos geralmente não são detectados devido a pouca idade das crianças e também porque algumas atividades sexuais são conduzidas em torno de práticas de higiene comuns ao dia-a-dia das crianças. A realidade é que algumas mulheres abusam de seu poder sobre as crianças e da sua facilidade de cuidadora, e podem sim fazer isso de maneira sexual”.

MITO 5: PEDOFILIA É CRIME.

Como lembra o conceituado jurista Bismael B. Moraes, “diz a Constituição Federal, no art. 5º, inciso XXXIX, que ‘não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal’. Essa regra da anterioridade da lei é repetida no art. 1º do Código Penal Brasileiro. Portanto, não existe pedofilia como crime, nem no Código Penal, nem no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mesmo na recente alteração”. (http://www.mail-archive.com/penal@grupos.com.br/msg02545.html)

O que é legalmente punível são alguns atos comumente associados à pedofilia, tais como o estupro (art. 213 do Código Penal) e o atentado violento ao pudor (art. 214 CP), agravados pela presunção de violência prevista no art. 224, “a”, do CP.

MITO 6: NA MAIORIA DOS CASOS HÁ USO DE VIOLÊNCIA FÍSICA.

Segundo J. Feierman, “coerção física é rara em casos de interação sexual entre adultos e menores. Na verdade, o comportamento sexual de adultos com crianças e adolescentes não é associado à violência e brutalidade sexual mais do que o comportamento sexual adulto/adulto”.

MITO 7: CRIANÇAS SÃO ASSEXUADAS E “PURAS”.

O conceito idealizado da criança como depositária de toda a inocência, pureza e bondade do mundo em oposição ao adulto mau e corrompido pelo pecado tem sua origem na analogia feita pela Igreja Católica entre a figura do “Menino Jesus” e a das crianças, durante a Idade Média. Naquela época, o sexo era visto como algo “sujo”, indecente e “pecaminoso”. Portanto, as crianças eram consideradas “puras” e “angelicais”, pois acreditava-se que elas fossem assexuadas, isto é, que não possuissem libido.

O filósofo Paulo Ghiraldelli Júnior nos mostra que Rousseau veio depois a consolidar filosoficamente esta mentalidade: “...foi ele [Rousseau] quem destituiu o poder de Descartes e Locke de dizer algo sobre a infância e a pedagogia. [...] Seu conceito de infância se tornou o conceito de infância par excelence. Com ele,as crianças viraram anjos indefesos, que precisavam continuar em estado de natureza, puras, protegidas por redomas de vidro.”


Somente no início do século XX é que iria surgir o pai da psicanálise, Sigmund Freud, chocando a sociedade vienense e afirmando que a criança possui sexualidade desde o seu nascimento. Nas palavras do psiquiatra Domingos Paulo Infante: “Freud descortinou o mundo da infância e fez explodir da inocência paradisíaca toda uma ‘perversidade poliforma’”.


Conclusão

Não obstante todas as informações contidas neste trabalho no intuito de desfazer alguns dos principais mitos perpetuados na sociedade a respeito da pedofilia,nada disto significa que não haja impedimentos reais para adultos se relacionarem com criançasÉ imprescindível que a dignidade humana das crianças e adolescentes seja sempre preservada e que haja mecanismos legais para coibir e punir todas as formas de violência praticadas contra elas ao redor do mundo.


Todavia, também é preciso ficarmos alerta à maneira com que muitas pessoas lidam com a questão dos pedófilos para que não repitamos a mesma forma de pensar que no passado foi usada pelos nazi-fascistas para fazerem uma “limpeza” na sociedade e eliminarem todos aqueles que eram considerados “indesejáveis” ou “sub-humanos”.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
(as referências faltantes já podem ter sido incorporadas ao texto em forma de links)
Feierman, J., "Introdução" e "Uma Visão Geral Biossocial", em Feierman, J. (ed.), Pedofilia: Dimensões Biossocial, New York: Springer-Verlag, 1990a, pp 1-68.
MORAES, Bismael B. Pedofilia não é crime. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.12, n.143, p. 3, out. 2004.

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