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sábado, 20 de março de 2010

Abusos da Palavra & Estigmatização Social

Michael Jackson (29/08/1958 a 25/06/2009) & Márcio Lopes dos Reis (19/03/1979 a 31/03/2009): vítimas de estigmatização social e do excesso de medicamentos controlados.


“Desde simples fofoquinhas veiculadas nas esquinas até as manchetes dos jornais de maior vendagem, a prática social de noticiar e tecer julgamentos sobre a vida íntima das pessoas pode ser extremamente lesiva.”


O que matou Michael Jackson? É a questão que a sociedade americana hoje se propõe a responder nestes dias após sua inesperada morte. Depois de uma rápida conclusão que sua morte foi por conta do abuso de medicamentos controlados, já vemos manchetes anunciando que Michael foi vítima do mal uso e quem sabe até da interação de perigosas e potentes drogas. Resposta rápida mas que no fundo apenas deixa a sociedade aliviada com esta causa mortis de faixada, porque transfere toda a responsabilidade de sua morte pro mal uso (abuso) destas drogas pelo próprio Michael e seus médicos. Mas meu questionamento e minhas respostas vão um pouco mais além. O que fez Michael se afundar neste mundo de drogas perigosas? Não são drogas que se prestam a dar algum barato, porque a maior viagem de Michael lhe era lícita, estava na sua imaginação, na sua forma de ver o mundo com olhos infantis, sem maldade, no seu jeito singular de ser, até que a sociedade lhe mostrou uma face que Michael desconhecia, uma face de violência, constrangimento e opressão. E eu queria ver esta mesma sociedade assumir toda sua culpa, assumir o modus operandi de como acabar com a vida de alguém, como matar pouco a pouco uma pessoa, seja um ídolo, um pop star ou um zé mané. Seria bom que a imprensa assumisse sua culpa e veiculasse assim: “toda a mídia começou a matar Michael em conjunto, dando cobertura ampla aos casos de abuso infantil. É sim, a mídia mata, a sociedade mata em conjunto. A fofoca, a intriga, a mentira e a calúnia sejam de efeito local ou dispersadas pela mídia, matam de forma violenta, pouco a pouco o que é pior, mas matam.”

Desde simples fofoquinhas veiculadas nas esquinas até as manchetes dos jornais de maior vendagem, a prática social de noticiar e tecer julgamentos sobre a vida íntima das pessoas pode ser extremamente lesiva. Assim nós matamos Michael Jackson, um de nossos maiores gênios artísticos. Assim a sociedade matou muitos artistas que não tinham condições psicológicas de enfrentar a infâmia, ou a distorção de informações. Seres sacrificados por uma prática social cotidiana e vulgarizada pela mídia, como declarou Jimi Hendrix: “os tempos que eu queimava minha guitarra isso era como um sacrifício. Vocês sacrificam o que amam. Eu amo minha guitarra”.

E a sociedade matou Michael aos poucos, porque ele nasceu pra entreter e não pra ser entretido. Nasceu pra dar prazer mas não podia ter prazer. Hoje seus fãs dizem: ele era inocente, não era pedófilo. E eu afirmo, ele amava meninos, era pedófilo sim, e mais que isso, era um boylover autêntico: amava meninos, não os abusava. Mas a sociedade aprende com malfeitores diversos que pedófilos são monstros que estupram, que seviciam, que mentem, que manipulam. Observando casos de violências reais contra crianças e adolescentes, talvez existam mesmo “monstros” que assim procedem, mas eu hesitaria em chamar de pedófilos aos que cometem mesmo crimes sexuais violentos com menores, porque desta forma a sociedade condena pela ação de uns poucos e raros indivíduos toda uma sexualidade que é mal compreendida, e acaba perseguindo a todos que se interessam, se encantam ou se apaixonam por menores em geral, sejam crianças, sejam adolescentes.

Continuando em meu questionamento, o que matou Michael? O reverso de sua fama: a infâmia maldita. Hoje em dia não há peso pior do que ser acusado de cometer crime sexual contra crianças e adolescentes, e assim Michael padeceu violentamente: foi ao chão com estas acusações, sob todo o peso do assédio e abuso da mídia internacional. Ainda mais pra um astro de seu porte, imaginem a pressão psicológica que é estar sob estas acusações, a de ser o monstro do momento: o pedófilo. Isso tudo gera desde uma insônia persistente que tira aos poucos sua energia vital até uma dor interior que remédio algum pode conter, então eu compreendo que alguém sob estas condições se afunde cada vez mais em drogas. A mente gera dores que remédio algum pode conter. Todo o remédio que Michael precisava não se vende em drogarias. Era o amor, o carinho, a compreensão, companhia, amizade e todo prazer que seus pequenos amigos poderiam lhe oferecer, mas que lhe foram subitamente afastados. Afinal de contas sexo com crianças é sujeira, pecado e crime não é?

Este é o momento em que a sociedade deve parar e se perguntar o que tem feito e o que quer fazer de suas crianças. Que adulto você se tornou e que tipo de adulto você é? Somos adultos produtivos e consumidores vorazes em uma sociedade que abusa de seus próprios indivíduos e de seus recursos naturais à exaustão? Você sentia-se livre quando criança ou sempre pensava que só seria livre quando compreendesse tudo que os adultos lhe ocultavam, inclusive os mistérios do sexo?

Somos robozinhos ou marionetes cansados de nossos afazeres diários, e que procuram um pouco de alimento intelectual, não importando o quanto este desfrute sacrifica um ser humano, se lhe tira aos poucos sua graça e expressão? Somos ou seremos um dia seres humanos livres, que tem sentimentos e idéias próprios, que valorizam e preservam todas as expressões de beleza, seja a complexidade e a singularidade da natureza de cada ser deste planeta, seja um por de sol, uma noite enluarada, o mar sereno ou revolto, seja a nudez de um menino ou a sensualidade de uma ninfeta?

Você se põe a pensar e se lembra de como o sexo era visto quando você era criança? De como nós todos vivemos numa Disneylandia assexuada até nos depararmos com nosso próprio interesse sexual na adolescência? De como as crianças tem sua sexualidade reprimida, ao ponto de sentirem-se constrangidas com este assunto que deveria ser natural? De como uma besta maligna tem usado o sexo pra afastar cada vez mais adultos, adolescentes e crianças como seres de espécies diferentes, e ao mesmo tempo estimula o comportamento violento e psicoses através de filmes, games e isolamento?

Cultuamos a violência, a mentira e a falsidade, assim chegou o momento histórico em que existem crianças que adquirem já na infância toda falsidade que antes só um adulto poderia ter. De fato em muitas crianças acabou-se a inocência, enquanto que em muitos adultos esta ainda consegue ser mantida a altos custos. E o que veio a corromper esta idade dourada não foi o sexo, porque não é o sexo que nos tira a inocência, mas a forma como nós lidamos com nossos próprios desejos e questionamentos. Se usamos de falsidade pra responder a questões essenciais, nossa vida também se reveste de falsidade, e assim a humanidade vive cultuando as mentiras que quer fazer crer como verdadeiras. Se isso traz muito dinheiro pra alguns, pouco importa àqueles a quem a mentira venha a sacrificar. Assim pra suportar a estigmatização social, Michael foi criando sua máscara pra viver, porque só assim conseguia encarar o demônio da falsidade, como artista. Tinha que ser todo o tempo Michael o artista, e esconder a Michael, o ser humano. Mas tudo que ele queria era o que todo ser humano quer: viver com prazer e ser feliz ao lado de seus semelhantes. Todos sonham o paraíso, mas vivendo em mentira cultuamos o inferno.

É um sonho meu, que um dia boylovers do mundo inteiro vistam uma camisa com os dizeres: “Michael, eu sou como você, amo meninos, não os abuso!” assim como Renato Russo um dia afirmou em sua música: “eu gosto de meninos e meninas”. Mas sexo na adolescência continua sendo um tabu; adultos que se envolvem com menores continuam sendo marginalizados e socialmente executados; e as pessoas continuam a confundir relacionamentos consentidos e momentos de prazer desejados e íntimos entre um menor e um adulto com casos de abuso e violência, pois não conseguem imaginar que seus pequenos um dia também despertam pro desejo sexual, e sexo é limpo e maravilhoso quando entre duas pessoas que se amam e se respeitam, pois assim como já disse o poeta, todo amor é sagrado.

Isso é um desabafo neste ano de 2009, quando só me resta lamentar, chorar e enfim protestar desta forma por duas das pessoas que eu muito amava e admirava como seres humanos terem a chama de suas vidas bruscamente apagadas, ambas por abusos dos mais diversos. Abuso de palavras, abuso de medicamentos, abuso de mentiras... E hoje eu compreendo mais do que nunca que a sociedade tem seus métodos próprios pra exterminar vidas, e muitos dos que se julgam santos são demônios na ativa. Por sorte também há almas iluminadas, anjos que vieram e muitas vezes cedo demais se vão.

Michael Jackson e Márcio Lopes dos Reis, vocês são dois anjos guerreiros da luz, e agora eu confio que sua luta prossiga no firmamento, vocês por lá e nós por cá.


***


Andrei Blues Boy, escrito em Julho de 2009


Vídeo foto no YouTube em homenagem a Márcio Lopes dos Reis (Mágico Aladin): http://www.youtube.com/watch?v=eYuwdPpKPo8

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